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Natalicídio

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Quisera um anjo ter-lhe oferecido a dádiva de um rebento que fosse querido e predestinado a grandes feitos, mas sua prenhez era fruto de uma violência a qual não pôde se defender. E naquela noite da véspera de Natal, suas contrações doíam menos que o medo do porvir. Na fria calçada da estação ferroviária, o papelão era sua cama e a solidão, sua companhia. A resposta a seus gemidos eram os ecos que ouvia, abafados pelo ruído das grossas gotas de chuva que precipitavam do éter. Não havia mãos a ajudar senão as suas e na impossibilidade de se despir, rasgou num átimo seus andrajos, abrindo caminho para quem haveria de conhecer em muito breve, a fria atmosfera de um dia chuvoso e a gélida indiferença de uma sociedade apodrecida. O papelão embaixo de si, encharcado de chuva e líquido amniótico, tingia-se de um rosa, que aos poucos tornava ao vermelho. As pernas sujas e esqueléticas se abriram, enquanto o esquálido torso se apoiava para trás sob braços finos, com múltiplas perfurações supura...