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Mostrando postagens de junho, 2022

Conluio cênico

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Ali estávamos de novo naquele pardieiro decadente que talvez em priscas eras, honrasse o nome "Le Jardin", ostentado em neon na fachada carcomida pelo tempo, clima e poluição. E mais uma vez, no constrangimento habitual de um Casanova falido, convidei-a a ir até a janela e contemplar a vista do centro da metrópole, truque manjado para desviar a atenção dos móveis velhos, espelhos borrados e torneiras enferrujadas daquele matadouro de expectativas românticas. Enquanto despia meus andrajos, fitei a silhueta nua, esguia, apoiada num dos pés, braços apoiados no batente da janela, com costas, nádegas e pernas ocultas pela penumbra do quarto, mas os seios, ventre e o rosto emoldurado com cachos de medusa expostos à luz do poste em frente, ao alcance da vista de algum sortudo que por ventura olhasse para cima. Ela sabia muito bem que tipo de impressão me causava quando, fingindo indiferença e olhando para o nada,, acendia um cigarro e trocava de pé de apoio, fazendo aquelas nádegas ...

Sonhos e Ilusões

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Trouxe a mim o desejo como sonho E como sonho, a idealização se amalgamou Como dádiva onírica de um amor platônico Que incendeia alcovas, sob as bênçãos de um súcubo Não me fere a adaga da fatídica impossibilidade Visto o mel da esperança sobrepor o fel da realidade Das histórias que vivi, devaneios, à orla do ocorrido Acesa a volúpia, escrava da imaginação Se me quiseres, fiques longe, te suplico Não me dês o afago que arrepia a tez Ou o roçar de corpos que nos torne lascivos Não tome da impossibilidade a primazia da certeza E te imploro, detentora de minha essência Não profanes com amor o sentimento que lhe devoto.

Sobre amor e livros

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Amor e livros No passadiço entre os prédios, recostados no parapeito, cada qual defronte ao outro, tergiversavam na modorra de um sábado qualquer: _Você me fez sair da perifa para vir aqui contemplar aço, concreto, vidro e vãos? _Na verdade, se você atentasse para as filigranas da paisagem, nos vértices, quinas, junções, contrastes, perspectivas, desníveis, transparências e na melancolia dos monotons, já valeria a pena. Mas estou aqui. Pensei que bastaria para te instigar. _Sabe o que é? De repente você gerou uma expectativa diferente quando me chamou para o rolê. Pensei que seria uma festa, uma feira, uma balada... Mas pensando bem, se não viesse, não estaria te dando a chance de ser mais interessante do que ficar em casa com meus gatos, assistindo "O Mágico de Oz" pela centésima vez. _Aí você está querendo demais! Quem nesse mundo seria melhor companhia que os gatos e Dorothy? E como rivalizar os prédios de Kogan e Weinfeld com a estrada de tijolos amarelos? Aí fica difícil...

Partida e chegada

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Partida e chegada Meses se passaram desde a última carta respondida. E a distância física entre eles só não era maior que os prolíficos diálogos entremeados pelo passar das semanas, que pontuavam emoções e sentimentos recíprocos, trocados através do rodeio dos bicos de penas que espalhavam o escasso nanquim nas faces dos papeis de palha. Anos se passaram, desde que Rúbia e sua família singraram o sertão em carroças e lombos de burros, na esperança de permutar com o destino,  miséria por trabalho. Quando da partida, Ataíde continha as lágrimas em olhos marejados, com um sentimento de perda que ignorava ainda a saudade, mas sem noção do deserto que se abriria no latifúndio de seu coração. Rúbia, envolta em chitão e brim puído, do lombo do muar, quando na iminência da silhueta de Ataíde sumir na lonjura, acenou vigorosamente, tendo como resposta a seu gesto, um virar de costas, com a cabeça baixa, seguido do arrastar de pés pelo terreiro, rumo ao casebre que o abrigava com a mãe idosa...