Pra tudo acabar na quarta-feira

Que madrugada de terça-feira gorda foi aquela?!
Na verdade, continuava sendo, pois para os demais foliões que ainda persistiam no frenesi hedonista, os festejos de Momo só se encerrariam ao último percutir da baqueta no bumbo ou então na exaustão definitiva de seus corpos fantasiados, pintados, semidesnudos e cintilantes de glitter e suor.
Não era este o meu caso. Já eram quase três da manhã e às seis eu pegaria no batente, portanto pus-me no rumo de casa, certo que uma ducha e algumas horas de sono pudessem despertar em meu íntimo a motivação de encarar um plantão que duraria doze voltas completas no relógio.
Nas ruas, a fauna festiva pulava atrás dos carros de som, urrando em uníssono o bordão próprio dos estertores carnavalescos que atravessava eras, sem contudo perder seu significado de fim de festa: "é hoje só, é hoje só..."
Subitamente, duas delicadas, porém vigorosas mãos me seguraram os quadris por trás, empurrando-me à frente num irresistível impulso, fazendo com que de repente eu me transformasse numa locomotiva humana, puxando um trem de foliões por entre a multidão, à revelia de meu arbítrio.
A composição à minha retaguarda cantava animada: "Patrão, o trem atrasou, por isso estou chegando agora..." Virei o pescoço para trás e bastou uma troca de olhares com a responsável por me alçar a folião-maquinista para que eu chegasse à conclusão que minha prioridade havia deixado de ser meu emprego, cedendo primazia àquele adorável vagão que entusiasmadamente me fitava .
A marchinha acabou, desfazendo o trem e na música seguinte eu já estava de mãos dadas com a galera numa grande roda, pulando e cantando: "o balancê, balancê... Quero dançar com voceeeê..." 
As músicas se sucediam e agora eu já estava abraçado à minha nova amiga, cantando pra ela com um sorriso safado: "Ai, que me dera ser um jasmim, Pra você beijar, Pra você beijar no seu jardim..." E de repente estávamos nos beijando, parados no meio de uma multidão que aplaudia, assoviava e saudava o mais novo casal que se formava na festança.
Até que o sol raiasse, beijos, risos, abraços, sentimentos e sensações foram compartilhados, mas nenhuma palavra foi trocada entre nós. E tão subitamente quanto as mãos de minha parceira de festa haviam me puxado para si, agora se despediram num aceno, enquanto ela corria por entre a massa de gente, deixando em minhas retinas sua imagem, que por falta de um nome do qual posso me recordar, hoje chamo de saudade.
Afinal de contas, quando nesta época se fala "pra tudo acabar na quarta-feira", isso inclui os desatinos, os amores de carnaval e às vezes, até o emprego.

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