Emoções Químicas
Não foi o despertador, nem a tênue claridade da tenra manhã, tampouco o arrulhar do alvorecer das aves do arrabalde que me acordaram às seis horas da manhã neste domingo.
O retorno ao ânimo vivente se dera como que por uma espécie de obrigação cotidiana, uma imposição da repetição dos dias, algo próprio daquilo que é fatídico, involuntário, compulsório e premente.
A rotina sucederia o torpor que se esvaía à medida em que os raios de sol invadiam o quarto pelas frestas da janela de madeira empenada: necessidades fisiológicas, asseio, desjejum, comprimidos, estupefaciência psicotrópica, prostração, diálogos internos e o embate diário entre a imposição de ressignificar a existência ante o acachapante e irresistível sentimento de desesperança e fatalismo.
Uma estranha sensação de despersonalização me afligia, dando a nítida impressão de que mente e corpo não se fundiam em mim, mas eram entidades independentes, que numa simbiose estranha, possuíam arbítrio à revelia de minha vontade.
Estávamos ali, nós três, mente, corpo e eu, e o sentimento compartilhado era de enfado, frustração e mútuas necessidades reprimidas.
Subitamente, meu corpo nos abandonou, usando a voz para dizer que iria sair correndo pelo mundo, até que se cansasse ou encontrasse o prazer que eu há muito lhe negava. E num átimo, deixou de ser presença, até sumir no horizonte, em desabalada carreira.
Encorajado pelo arroubo de autonomia de meu corpo, a mente me disse em pensamento que iria sair por aí à procura do novos desafios e conhecimentos, e com destemor e ousadia, fluiu pelo éter primordial, deixando para trás o vazio de quem fui e não era mais.
Prostrei-me no vácuo de meu íntimo por intermináveis horas e quando o sentimento de resignação ameaçava se tornar a derradeira impressão de um resto de existência, mente e corpo retornaram de suas jornadas, fundindo-se novamente em mim e compartilhando seus despojos, que unidos, transmutaram-se no sentimento de ansiedade.
Olhei para o relógio na parede e ele marcava dezoito horas. Era hora de tomar mais comprimidos.
Espero que desta vez, eu permaneça inteiro para quem sabe, desfrutar da minha própria companhia sem que eu próprio me abandone.
Comentários
Postar um comentário