Onírico promenade
O silêncio ao redor contrastava com o burburinho incessante em minha mente.
E na solidão própria dos amaldiçoados com a eterna vigília, o que faltava em vivências, sobrava em devaneios: pessoas, situações, histórias, sucessos, fracassos, arrependimentos, promessas não cumpridas, indo e vindo em memórias do que já aconteceu, nunca houve e o que poderia ter sido.
Contemplar a escuridão ao relento da vastidão do descampado me assustava, não na perspectiva de que algo pudesse me acontecer, mas justamente o oposto: que o vazio atro e inerte persistisse, tornando em limbo uma realidade outrora plena de cores, sons, presenças e interações.
A relva orvalhada sob meus pés descalços garantia que o torpor não sequestrasse de vez minha consciência e na busca de inspiração, tornei os olhos ao firmamento, onde nuvens se moviam ao sabor dos alísios, encobrindo e descortinando uma miríade de estrelas errantes.
Prostrei-me ao solo, em decúbito, admirando o embate entre nuvens e estrelas pela primazia no céu, quando a dama da noite se interpôs nessa lide, e mesmo com sua tênue luz de curvatura minguante, mostrou ao cosmos porque é conhecida como a rainha da noite.
E enquanto eu me permitia o encantamento ante o balé sideral, um bólido surgiu no horizonte, numa trajetória ascendente, consumindo a si em um flash esverdeado, a princípio flamejante, para poucos segundos depois, desaparecer num filete progressivamente imperceptível.
A esta altura, meus devaneios haviam cessado, deixando vago em minha mente o espaço da angústia, agora ocupado pelo deleite e uma estranha, porém confortável sensação de pertencimento.
Senti que era hora de voltar à barraca, que me acolheu para o prólogo sereno de um acalento onírico, como há muito tempo eu não desfrutava.
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