Lapso Insone

E lá estava eu novamente...
Outra madrugada ao relento, o corpo sonado estendido na rede, mas os sentidos aguçadíssimos, ávidos pelos sutis estímulos proporcionados pela penumbra da lua minguante.
O quase nada a se ouvir ao redor disputava a atenção com o rebuliço que ribombava em minha mente, tornando a experiência de estar desperto em uma agonia sensorial digna de um surto esquizofrênico.
Um pássaro, talvez uma coruja, piava num compasso arrastado e repetitivo, dando a impressão de dizer, de forma zombeteira: "durma, duuurmaaa".
Meus pensamentos, à revelia de minha intenção, rogavam imprecações à ave agourenta, como que sua expressão natural fosse na verdade, uma provocação a este ser insone.
Diálogos internos se sucediam em imagens mentais aceleradas, evocando longínquos episódios da vida, invocando gente que nem mais existia, à revelia de minha vontade, que era apenas não enxergar mais nada enquanto os olhos estivessem fechados.
"Que droga" - pensei, vocalizando, cedendo ao impulso de falar sozinho, pois as nuvens chegaram e cobriram a Lua e as estrelas. Lá se ia minha última oportunidade de transcender o burburinho de meu interior por meio da contemplação daquilo que me é intangível, tanto quanto belo e inspirador.
Minutos e horas se sucediam, assim como as lágrimas que minavam ao apelo da saudade que brotava ao léu de uma ou outra lembrança boa que surgia, assim como o medo que me crispava màos e trincava os dentes, à medida em que meus problemas reais e imaginários exigiam a primazia de minha atenção.
Foi nessa confusão de sentimentos sinestésicos que inspirei, fechei os olhos, vencido pelo cansaço, e tudo o mais se calou, em profunda escuridão silenciosa.
E quando meu espírito encontrava consolo na ilusão de uma confortável sensação de não existir, o calor do Sol recém-nascido me lembrou que a vida me cobrava o despertar para mais um dia, de sei lá quantos mais, para uma cotidiana prestação de contas sobre o que decidi fazer a partir de tudo que me foi concedido, sem que eu pudesse escolher se queria ou não receber.

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