Catarse
O sereno da noite da metrópole fulgia em prismas nas gotículas que ungiam sua cabeça, brincando com luz do poste, bruxuleando errantes, até se unirem em filetes que desaguavam em seu rosto, misturando chuva e lágrimas, quais como rio e mar, num torvelinho de emoções impressas no rosto crispado do donatário de um coração partido.
O vento da madrugada era açoite, lutando contra o gélido concreto, disputando com as intempéries a primazia da pungência sobre a carne fustigada que abrigava um espírito quebrado.
O atro firmamento se escondia atrás de espessas nuvens, negando aos viventes o deleite da lua cheia sequestrada, como que conspirando por um cenário de tristeza e melancolia.
O rugido dos carros, que renteavam de forma ameaçadora as pernas prostradas na via, era vez ou outra suplantado por buzinadas esparsas e ofensas disparadas por condutores alheios ao desencanto humano tornado obstáculo viário.
Alheio a tudo que não fosse sofrimento, o pretenso algoz de si levantou-se, fitando o abismo do elevado que o separava do rio imundo lá embaixo e começou a libertar de suas mãos os balões que segurava, um a um, cada qual com uma dedicatória.
Ao amarelo, que conduzisse a pálida mágoa que o adoecia.
Ao marrom, que levasse a vergonha que o fazia se esconder.
Ao branco, que ficasse com a apatia e com ela desaparecesse.
Ao roxo, que elevasse o luto para bem alto, explodisse e não voltasse nunca mais.
Ao cinza, que pairasse eternamente sobre o limbo com a raiva, deixando que a serenidade florescesse em meus dias.
Olhou para os dois balões que restavam: o vermelho e o verde
Decidiu que para o amor e a esperança, ainda havia motivo para guardar esses balões e os manteve consigo.
Pôs-se então de volta ao rumo de sua vida, de suas paixões e de seus planos, deixando que o gradiente do alvorecer que se descortinava fosse testemunha das escolhas que fizera para o resto de sua existência.
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