Páscoa
E lá estavam, parentes e amigos, acomodados à grande mesa da sala de estar, imersos em acaloradas conversas cruzadas numa manhã de domingo, em tempos idos que hoje só existem na memória.
O alarido das crianças que brincavam no quintal se somava ao chiado da panela de pressão no fogão, enquanto os carrilhões ribombavam nos alto-falantes das torres da Matriz, dando toques de algazarra àquela reunião de almas entusiasmadas.
O clímax do evento ocorreu quando o casal de anfitriões, investido do carisma que cabelos brancos e hospitalidade lhes concedia, adentrou o recinto com suas roupas de missa, sorrisos largos nos rostos vincados e uma simpatia desbragada que somente os detentores do amor incondicional, dado e recebido, são capazes de emanar.
De súbito, as crianças agora corriam pela casa, com as bochechas e mãozinhas sujas de chocolate, numa perseguição caótica que só fazia sentido a quem permitia que a alegria em estado puro norteasse suas motivações de anjos tornados gente, por obra da inocência pueril.
Gargalhadas sucediam gracejos, lágrimas de variadas fontes escorriam nos rostos, ora pela ternura concedida, ora por afetos particulares que aos que interagiam, compreendiam-se por díspares significados, codificados pelas vivências.
E no avançar das horas, até que a tarde se tornasse noite e sinalizasse a premência do retorno às vidas compartimentadas de cada célula familiar presente, reconciliações se fizeram, laços se estreitaram, os afetos se multiplicaram e os pilares da nostalgia futura se erigiram.
E aos poucos, a tia carola, o irmão bêbado, o primo bonachão, os amigos de longa data, as crianças bagunceiras e toda a fauna familiar presente foi se despedindo, entre beijos, abraços, afagos e promessas para a posteridade, as quais quase nenhumas seriam cumpridas.
Os roncos dos carros se ouviram cada vez mais longe, assim como a algazarra das crianças, meus avós se recolheram, cansados e felizes para o quarto e as luzes se apagaram, enquanto eu, adolescente, sentado em contemplação na mureta da varanda, registrava na memória e no coração a reunião de família daquele 03 de abril de 1983.
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