Sobre amor e violões
Pela terceira vez, ele havia se matriculado no curso de violão da paróquia local.
Não que tivesse ouvido musical ou que seus dedos curtos permitissem malabarismos nos trastos do instrumento, tampouco porque aspirava ser o centro das atenções nas rodas adolescentes dedilhando alguma música do Renato Russo.
Todas estas aspirações haviam sucumbido ante a lógica do "não dou para a coisa", mas desta vez, havia uma motivação que suplantava gostos e necessidade de autoafirmação: Suzy estava matriculada na nova turma.
Helton e Suzy eram vizinhos de rua, mas apesar da inevitável percepção mútua, havia um constrangimento pueril que impedia que levassem os entreolhares velados à algum tipo de interação, nem que fosse um singelo cumprimento.
Nos amenos finais de tarde daquela primavera, por muitas vezes esses flertes ocorriam.
Suzy, sempre indefectível com seus cabelos longos e soltos sobre suas camisetas de bandas de rock, dissimulando olhares nem sempre cândidos a Helton, sempre desviados ao livro que trazia ao colo, quando surpreendida.
Helton, por sua vez, no campinho de terra à frente, retribuía os olhares de soslaio de Suzy, alternando sua atenção entre sua musa pretendida e a bola chutada contra as traves que defendia, rendendo frangos homéricos que manchavam sua reputação de bom goleiro.
E assim se passavam as tardes de primavera, até que chegou a noite do primeiro dia do curso de violão.
Helton chegou à porta da capela uma hora antes, com sua melhor roupa, usando o perfume do irmão mais velho, violão a tiracolo, com a cabeça aérea e o coração pleno de paixão juvenil.
Qual foi sua surpresa ao encontrar ali, tão ansiosa quanto si, Suzy, linda como era e maravilhosa como achava, com seu figurino típico de roqueira, mas para sua surpresa, com os cabelos presos em tranças, deixando à mostra sua delicada face, ruborizada com tão inesperado quanto desejado encontro.
Sentaram-se ali mesmo, nos degraus da porta da capela, deixaram os violões de lado e numa conversa que continha mais suspiros e sorrisos que palavras, foram tomados pelo sentimento que pela primeira vez, suplantava a timidez.
Deram-se as mãos, se levantaram e ao mesmo tempo que suas pupilas se fitaram, seus olhos cerraram e o primeiro beijo aconteceu.
Por um átimo que pareceu a eternidade, seus lábios se tocaram, as pernas fraquejaram, os corações dispararam e os corpos se uniram num abraço que por eles, seria eterno.
Helton e Suzy desistiram de aprender violão. Ele pela terceira vez, Suzy, pela primeira.
Comentários
Postar um comentário