Serenus Finis

Após um lapso indeterminado, de horas, minutos ou segundos, sabe-se lá, abri os olhos.
Uma nesga de muro verde obstruía a visão de um amplo céu carrancudo, pleno de cúmulos, nimbus e estratos, sem espaço ao menos para um azulzinho sequer de firmamento.
Meus membros formigavam, enquanto a frialdade do piso cerâmico amortecia a pele de minhas costas nuas, contribuindo para que o entorpecimento desse aos poucos, protagonismo a um claudicante retorno à consciência. 
O único som que se ouvia era o ruído surdo e intermitente de motores dos carros que iam e vinham nas ruas ao largo.
Pensei em me levantar, mas uma acachapante abulia me mantinha estático, impedindo-me de saber se o que me mantinha cataléptico era só apatia ou algum tipo de paralisia incapacitante.
O torpor do recém-despertar deu lugar ao temor do desamparo e se tornou em pavor quando tentei gritar por ajuda mas não me lembrei de nenhum nome e o som que saiu de minha garganta foi um urro gutural e inaudível. 
O formigamento dos membros cessou e eu já não sentia mais a rigidez do piso em minhas costas, aliás, eu também não mais sentia as costas ou o restante de meu corpo, dando a sensação de ser uma massa amorfa e dispersa em suspensão numa realidade estranha da qual era parte, mas incapaz de interagir.
Aos poucos, o céu cinza que sobrepunha o muro verde se tornou escuridão em minha retina e o som dos carros ao longe diminuíram, até emudecerem de vez.
Respirar se tornou difícil no momento em que o sangue subiu pela garganta, inundando as vias aéreas, fazendo-me engasgar, mas sem forças para tossir.
Espasmos tomavam meu corpo, mas eu não sentia mais nada, fossem sensações físicas ou reações emocionais, medo, dor, angústia ou premência do que quer que fosse. 
Era apenas a não-existência me acolhendo e foi com a derradeira percepção de onde vim para onde retornei que dei meu sereno e último suspiro. 

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