Jardim do Tempo
Jardim do tempo
Um tênue mormaço aquecia as costas do encimesmado ancião, enquanto este, com as mãos nuas, remexia substrato, terra e esterco nas raízes dos lírios no jardim.
Um discreto olor de lavanda disputava os sentidos do velho com o zumbido das abelhas, que por sua vez, desenhavam ômegas invisíveis pelo arrabalde, numa labuta incessante e alheia à distante cacofonia do subúrbio.
As memórias, companheiras fieis do idoso, sequestraram suas sinapses, transmutando emoções joviais em sentimentos difusos, quase lhe fugindo pelos olhos, pela impossibilidade de serem revividas.
E por mais que o tempo futuro fosse cada vez menor frente ao passado que insistia em ser lembrado, uma persistente e intrigante sensação de incompletude lhe mantinha a tenacidade em persistir na existência.
Gotas de suor se juntavam em filetes, prescrutando a larga testa, descendo aos lábios ressequidos, não sem antes misturar-se a tímidas lágrimas, precipitando ao solo, brindando as flores com sal, água e sentimentos.
O dorso arqueado pela artrite e pelo peso dos anos começou a incomodar, fazendo com que o longevo se sentasse, num doloroso prelúdio para pôr-se ereto.
De súbito, uma pequena silhueta fez-se aperceber, convidando os olhos cansados do anoso para um vislumbre.
Lá estava o filho do filho de seu filho, com um sorriso largo, de onde se entreviam alguns dentinhos, numa pressa trôpega característica da pureza pueril, com bracinhos rechonchudos numa óbvia promessa de carinho iminente.
E antes que desabasse no colo descarnado do patriarca, não conteve a alegria, expressando-se na linguagem própria dos seres puros: uma travessa e estridente risada.
O longevo colocou então suas sulcadas mãos sobre a delicada cabeça do infante, num gesto involuntário de bênção, pedindo licença às memórias e tomando o rumo da casa, de mãos dadas com o bisneto.
O tempo adiante era escasso, mas o ofício do ancestral, não.
Afinal de contas, em sua longa vida, o antigo professor havia cultivado mais vidas que flores e até que a providência permitisse, assim continuaria a ser.
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