Um sábado qualquer

Era sábado mais uma vez.
E condicionado que era aos ciclos que definiam sua rotina, sujeitou-se ao esperado de uma folga hebdomadária, concedendo-se um passeio que o salvasse do ócio acachapante.
Decidiu perambular pelo centro da metrópole e se dar uma chance de ter da vida, das pessoas e do acaso, mais que outro sacal estupor sabatino.
Há muito desfrutava de uma solidão relativa, preenchida com relações voláteis, socializações impostas, miríades de irrelevâncias preenchendo seu vácuo vivente, ocupando seu tempo e consumindo suas forças, mas sem alimentar seu espírito.
Elucubrando ia pelo Largo da Matriz, quando apiedou-se de um semelhante em situação de penúria que esmolava entre cães, com tal roto aspecto que sensibilizaria até o mais rude avaro. 
Estendendo-lhe a mão contendo um óbolo que lhe aplacasse momentaneamente a carestia, surpreendeu-se em notar uma outra mão reproduzindo o mesmo gesto.
E a surpresa foi maior ao notar que ambas as mãos continham os mesmos cinco reais, ainda que a delicadeza e o colorido das unhas da outra contrastassem com a rude morfologia de seus artelhos de neanderthal.
Os donos das mãos nem perceberam a satisfação e o grunhido de agradecimento vindos do favorecido de suas misericórdias. Imediatamente se fitaram e como mímica ensaiada, cobriram simultaneamente seus rostos, sorrindo, meio que constrangidos, mas sem disfarçar um indefectível sentimento de cumplicidade.
Entre maneirismos, mesuras e simpatias espontâneas, se apresentaram e sob as bênçãos de um continuum de similaridades, decidiram percorrer juntos o roteiro de imprevisibilidade que haviam programado para si.
Assuntos e momentos se sucediam, enquanto as similaridades se avultavam, dando às vezes, um verniz de familiaridade que não possuíam, mas desfrutavam.
Um café na lanchonete de um museu, impressões sobre a arquitetura da metrópole, confidências de intimidades represadas, pausas para descanso no refúgio da catedral, silêncios que pautavam as mudanças de assuntos, tudo convergia para o fluir de algo que para ambos, ressignificava o sentido de estarem ali, naquele sábado, outrora para passar o tempo e agora, torcendo para que o tempo parasse.
Indiferente ao vivificar das almas agora cálidas em congraçamento, o firmamento desabou em gotas, devidamente aparadas pelo guarda-chuva, agora aberto, que os livraria das intempéries.
Ambos se uniram num apertado abraço sob o tecido impermeável, fitando-se pela segunda vez, desde a esmola que os uniu.
E enquanto caminhavam pelas ruas molhadas do centro, plenos como há muito não se sentiam, desfrutaram com deleite daquele primeiro abraço dos muitos que ainda viriam.

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