Sobre amor e potes de mostarda
"Você deixou o pote de mostarda de ponta-cabeça", disse ele.
_ Não, querido. O pote foi concebido dessa forma para que a gravidade mantenha o conteúdo sempre junto ao bico, para evitar desperdício e facilitar que a mostarda saia do pote sem aqueles estourinhos que respingam em nossas roupas. Desenhei?
_ Querida, tenho TOC. Olhar para esse pote em cima da mesa como se estivesse de cabeça para baixo está me dando gastura.
_Amore mio, tente enxergar esse pote como se fosse um recipiente de mostarda, não uma obra de arte fora de contexto. Menos, né?
_Benzinho, então coloque este pote longe da minha visão e não se fala mais nisso.
_Coração, como vou esconder de sua visão esse pote, em uma mesa para duas pessoas? Quer que eu coloque embaixo dela? - ela respondeu arfando, com um sorriso impaciente.
_Não seja sarcástica comigo, amor. Lembra o que aquele psiquiatra do filme de comédia que assistimos ontem disse para o paciente? "O sarcasmo é o primo feio da raiva". Relaxa!
_Relaxar de que jeito, se a primeira coisa que ouvi de você após levantar foi para mudar a posição do pote de mostarda? - O arfar no sorriso forçado se ampliou em seu rosto, enquanto bufava, com os olhos revirando nas órbitas.
_Façamos o seguinte então, pequena tirana: você se refestela aí dessa mostarda invertida enquanto vou dar uma cagada. Tá bom pra você? - Resfolegou o homem, enquanto se levantava esbarrando na mesa, derrubando café na toalha.
_Larga de agir como um neandertal, sente aí, lambe o café da mesa e coma suas torradas sozinho, pois eu e o pote de mostarda iremos procurar companhia menos tosca e imatura. - Intimou a mulher, num muxoxo típico que precede lágrimas.
Entreolharam-se, ofendidos, na incompreensão mútua, quando o acometido de TOC propôs:
_Amor, você gosta mais de mim ou de mostarda?
_Pergunta besta, querido... Nem de mostarda gosto.
_Eu também não.
O silêncio tomou as vezes do diálogo por um lapso que antecedeu uma estrondosa gargalhada, enquanto ela acertava o cesto de lixo com um formidável arremesso de pote de mostarda.
_Bom dia, amor! Te amo! - ele disse, enlaçando o cós da amada com mãos lascivas.
_ Te amo mais! - Ela respondeu, enquanto acabava com qualquer tipo de réplica, tapando os lábios dele com um beijo mais quente que o café que testemunhava o nonsense que permeava a sina dos amantes.
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