Epitáfio marginal
Acelero mais uma vez nesta avenida que parece não ter fim.
A cacofonia vinda das calçadas urra aos meus ouvidos, mas o que escuto é o matraquear dos diálogos internos na minha mente.
O caminho que trilho insiste em me perseguir a cada olhada no retrovisor e os prédios à frente parecem correr em minha direção para me esmagar, enquanto continuo acelerando.
Há quatro lugares vazios no carro, mas o miasma da multidão que já os ocupou ainda persiste em me fazer companhia.
O ocaso se torna noite, toldando a visão e aguçando a sede de viver, que por falta de fastio, é mero apego a uma persistente agonia, novo nome de uma defunta chamada esperança.
E é assim, fugindo de meus diálogos internos, da multidão que me assombra, dos infinitos olhos dos edifícios que me cercam, dos caminhos que insistem em se tornar precipícios e dos espelhos que me negam reflexos e entregam zombarias, virei à direita e acessei a marginal na contramão.
Entre gritos e buzinas, mirei a grade dianteira de uma colossal jamanta, que tentava frear enquanto meu pé direito afundava o pedal no assoalho.
Permiti-me dar uma última olhada no retrovisor e tudo se findou em destroços, tilintares, explosão e depois, silêncio profundo.
Infelizmente não sei descrever a vocês como é morrer, apenas que meu último suspiro foi sereno, impondo ao reflexo do retrovisor um zombeteiro e desbragado sorriso de vingança.

Comentários
Postar um comentário