Entredentes
_Maldito mormaço! - rosnou entredentes o sempiterno resmungão, aludindo à tórrida umidade atmosférica a primazia por seus percalços. A ventoinha no painel vibrava inútil, fazendo circular ar-quente no interior do Escort, lançando partículas de poeira nos sulcos faciais do enfadado caixeiro-viajante, que ao se misturar com o suor em profusão de sua testa, desfiava em filetes pelo pescoço, emporcalhando o colarinho branco desabotoado, circundado por uma inacreditável e frouxa gravata amarela com estampas do Bob Esponja. Não bastassem o insuportável calor, o ronco da ventoinha, o cansaço do fim de tarde, um porta-malas repleto de porta-retratos encalhados e a carteira vazia, agora se deparava com o trânsito parado à sua frente, impedindo que acessasse a via principal, no rumo de seu ainda distante recôndito familiar, onde sua mãe aguardava sua chegada para assistirem juntos à novela das sete e ao culto televisivo subsequente, rotina a qual se dedicavam literal e religiosamente. O veículo ...