A Jornada

As outras duas pacientes ainda dormiam, quando ela terminou de se vestir.
Sentiu dores e desconforto ao calçar suas sandálias gastas, de plástico amarelado, outrora transparente. O corte da cirurgia não doía, mas ainda que que bem suturado, parecia querer romper, a cada movimento que fazia.
Olhou em volta, uma das mulheres ao lado acordou e tentou se levantar, mas percebendo o soro aplicado no braço, apenas se acomodou e suspirou, sussurrando um bom dia quase ininteligível e retornando ao torpor da anestesia.
Finalmente a enfermeira chegou, apressada, e enquanto recitava recomendações médicas, ajudou a paciente a pôr-se em pé. "Sua sacola, eu levo", disse a profissional, como se aquele saco plástico com algumas peças de roupas sujas fossem um fardo incapacitante à paciente.
Empreenderam então sua jornada compartilhada pelas rampas do nosocômio. 
A enfermeira ditava o ritmo da caminhada e ambas trocavam monossilábicas expressões sobre uma ou outra observação do arredor.
O movimento nos corredores era peculiar. Macas empurradas por apressadas e apreensivas condutoras disputavam espaço com a dupla, para logo em seguida adentrarem portas duplas e a seguir, desaparecerem no rumo da providência.
Pelas frestas e visores de vidros das portas, as visões e sons se alternavam: choros, médicos, ais, visitas, bips, seres cuidando e sendo cuidados.
Enquanto seguia rumo à alta definitiva, a mulher se emocionou, pois lembrou que no perigo e na dificuldade, as pessoas costumam ser boas e solidárias.
Chegaram enfim ao seu destino.
A enfermeira, assim como se ausentou, retornou, trazendo nos braços um embrulhinho feito em manta, cujo conteúdo se denunciava pelos olhinhos fechados e grandes bochechas que catalisavam a atenção de quem o via.
Os braços treinados passaram às mãos amorosas o produto da cesárea e a sacolinha de supermercado com as roupas sujas.
Despediram-se, paciente e enfermeira, e com um terno olhar de cumplicidade, viraram-se a caminhar, cada qual em seu rumo, mas fosse o que as esperasse, suas vidas impregnavam-se de sentido.

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