Esquema
Esquema
Ainda faltava um quarto de volta do relógio para o fim do expediente, mas ele mal se despediu dos colegas, fechou a porta de sua sala com força desnecessária, sem trancá-la e se dirigiu ao estacionamento de forma trôpega, afetado pela pressa.
Enquanto sentava ao volante do carro, jogou a pasta de trabalho no banco de trás, enquanto a outra mão girava a ignição. Deu a ré sem olhar, fechando a porta com o carro em movimento, enquanto o condutor de outro veículo desviou sua rota para evitar a colisão, gesticulando, buzinando e proferindo impropérios.
Chegando a seu endereço, estacionou, subiu correndo a escadaria, tropeçou no cachorro e entrou na residência como se estivesse em fuga.
Enquanto corria para o chuveiro, largou as roupas pelos cômodos, calçou os chinelos, esbarrou na samambaia e pegou a toalha.
Tomou seu banho de gato, rumou ao quarto, vestiu sua melhor roupa sem se enxugar, calçou seus sapatos novos, borrifou patchouli no pescoço, dividiu suas mechas com três estocadas de pente, pegou sua carteira, o relógio e correu para o carro, não sem antes tornar a enroscar as pernas no pobre cão.
Acelerou como um piloto de corrida rumo ao centro e finalizou o percurso de trinta minutos em vinte, ignorando obstáculos, sinais de trânsito e preferenciais, estacionando na esquina, por sua conta e risco.
Zuniu pela porta do restaurante até a mesa mais próxima, onde se atirou, esborrachado e pediu uma dose de vodka com limão e gelo.
O suor fazia trilhas em sua testa e seu pescoço, disputando a primazia com o perfume.
Os ponteiros do relógio já haviam completado o quarto que faltava para as dezoito, mais a volta completa para as dezenove e a pressa começava a dar lugar à ansiedade.
Pediu mais uma dose, olhou o relógio, outra volta era inaugurada.
A ansiedade que dera lugar à pressa, secundara ante à apreensão que tomava conta.
Outra dose, outra e mais uma, então resolveu variar.
"Um scotch puro, garçom!"
Entre uma ida ao banheiro e a tentativa de acender um cigarro impedida pelo garçom, outra dose de uísque.
Tornou a fitar os ponteiros: vinte e trinta.
Os vapores etílicos toldavam sua visão, ao mesmo tempo em que faziam seus difusos pensamentos ribombarem dentro da cabeça, num contínuo questionamento: "Cadê ela? Cadê? Ela? Cadela!"
A apreensão, que suplantara a ansiedade, que sucedera à pressa, agora se tornara frustração, potencializada pelo álcool, removendo de sua estampa qualquer vestígio de elegância.
Vinte e uma horas...
"Por que ela não veio? Por que ao menos não me avisou que não viria?" - ponderou numa lamúria interna.
"Eu disse que estaria aqui às dezenove" - tornou a choramingar o ébrio.
Num derradeiro lapso de lucidez, enquanto secava o copo, que decidira ser o último, caiu em si.
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