De per si a mim
No mesmo horário de sempre, num dia que poderia ser qualquer um, fitou-se diante do vidro retrorrecoberto de aço, sobre a pia.
Entre esgares e histrionices, tentava reconhecer-se naquele naco de matéria orgânica refletido, que teimava em imitar-lhe os movimentos.
Não fosse pelas chispantes órbitas esmeraldas a lhe mesmerizar a percepção, aquelas difusas formas em pouco remontariam indícios de humanidade.
Num átimo de paranoia, crispou as mãos que, pela morfologia, apêndices filiformes e dimensões, era análoga a de um primata de milênios idos e fez tilintar cacos de vidro ao chão, alguns deles amortecidos pelo viscoso caldo de hemácias que os precedera.
Continuou a fitar o espaço entre os córneres da moldura.
Caprichosamente, uma daquelas hediondas órbitas esmeraldas faiscantes ali permanecia, num escaleno fragmento vítreo, tornando em desespero sua loucura.
Tratou de arrancar com as unhas, num ímpeto iroso, o derradeiro lembrete de sua efígie grotesca impresso em engodo naquele reluzente pedaço de sílica. Conseguira finalmente esvanecer da existência qualquer traço daquela imagem refletida.
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