Café

Por entre a fresta da porta entreaberta passava um fio de luz matinal, assim como um convidativo aroma de café.
A rotina, os compromissos e afazeres certamente não eram motivações dignas de convencê-la a desistir de continuar ali, prostrada, à espera de um nada que fizesse mover os ponteiros do relógio rumo a mais um despertar compulsório, mas o café... Eis um pretexto digno a pôr-se ereta e a contragosto, cumprir o roteiro de sua farsa cotidiana.
Pensava em quantos outros dias vivera que não tivessem valido um gole de café forte e quente numa manhã fria de inverno.
Lembrou-se de pessoas que transitavam por seus dias que não tivessem deixado mais marcas que uma gota de café caída em sua roupa.
Evocou emoções instantâneas que não tivessem provocado sensações mais intensas que a dor de sorver, inadvertida e sofregamente, um gole de café fervente.
Trouxe à sinestesia, o amargo de um café sem açúcar que vez ou outra, parecia mais doce que a realidade a seu redor.
Envolta em reflexões, sentou-se à mesa, devolveu em sincronia o olhar indiferente que a fitava, encheu sua xícara e proferiu entre dentes um bom dia, que se fosse compreendido em sua intenção, soaria como "tanto faz".
Sorveu o negro líquido, quente e espesso e finalmente se deu conta que ali começava de fato, mais um dia.

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