Arbítrio

Entre passos curtos e rápidos, espalhava o saibro com os pés, com olhar fixo no horizonte, imerso em seus dilemas.
Havia chegado a um ponto da existência em que o entusiasmo cedera a primazia de ânimo ao questionamento, à contemplação, à nostalgia e ao remorso.
O que o movia adiante, no caminho e na vida, era uma espécie de script inexorável, sob o mote de uma obrigação autoimposta, desprovida de motivação.
Aceitava serenamente as consequências da satisfação de suas vontades, dos meandros de suas escolhas, das concessões a troco de renúncias.
Tergiversava internamente a respeito de um pretenso arbítrio que fosse a explicação para tudo que vivera e se tornara, mas que espécie de autodeterminação seria essa que não lhe permitia sequer cessar por si as batidas de seu coração, obrigando-o a seguir vivo?
As cores vivas do campo, os sons e cheiros da natureza, nada suplantava a imersão em si propiciada pela solidão que lhe secundava.
Chegou enfim ao seu destino e se propôs como missão não uma localidade a qual rumar, mas um desfecho para tudo que vivera.
E ali, no alto da montanha, contemplando tudo em miniatura, na beira do precipício, cerrou seus olhos, abriu seus braços e inspirou profundamente, impregnando pulmões e consciência de frescor outonal.
Uma lufada de vento tirou o boné de sua cabeça, que rodopiou graciosamente no abismo, roçando a escarpa rumo as pedras do sopé.
Por alguns segundos, no limiar do desfecho que escolhera, sentiu-se numa espécie de limbo, onde sentimentos e sensações inexistiam, gerando um vazio que lhe preencheu o íntimo.
Expirou, expulsando o aroma tornado em refugo, manteve o corpo teso e permitiu que o desequilíbrio cumprisse seu fado.
Por um átimo, sentiu o corpo despencar, só que para trás, estatelando de costas no chão, puxado por mãos oportunas.
"Você está louco, cara? Ia cair dali!" - gritou o amigo, que bem poderia se chamar providência.
"Pensei besteira, brother. Vamos embora. Da próxima vez aperta o passo para não ficar pra trás."
E seguiram pela estrada, cada qual com seu arbítrio, mas sujeitos ao mesmo script que pautou os seus destinos.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Flora humana

Emoções Químicas

Pra tudo acabar na quarta-feira